A MARCA AMARELA
Em busca do branding digital chinês


por André Vilares Morgado em Junho de 2007


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Kowloon, Hong-Kong. Fotos (c) P. Mateus, Abril de 2006

É difícil assistir a uma conferência sobre comércio internacional sem que os oradores especulem em torno do excepcional impacto que a China está a ter na alteração dos equilíbrios previamente estabelecidos. Com 1,3 mil milhões de consumidores, este país é hoje não só o mercado de maior consumo potencial, mas também um dos maiores produtores mundiais.

China tem procurado uma posição no mercado mundial com base nos seus baixos custos de mão-de-obra, o tem permitido escoar a produção através de estratégias comerciais que assentam em preços baixos. Com a abertura ao WTO, a China começa a confrontar-se com uma potencial saturação no seu mercado doméstico. Esta tensão traduz-se numa pressão ainda maior nos preços praticados o que, consequentemente, tem reflexos ao nível da rentabilidade das suas empresas. Este facto conduz as empresas para a única saída possível: a exportação e afirmação nos mercados internacionais. Mas será que as empresas chinesas serão capazes de enfrentar com sucesso o desafio de vender com os mesmos lucros em mercados de países desenvolvidos como os Estados Unidos e a Europa? Se, por um lado, a aposta na marca permite encarar este desafio com mais tranquilidade, por outro a imagem do “made in china” ainda está muito ligada a produtos indiferenciados, de baixa qualidade e fraca inovação.

As baixas margens de comercialização e o fraco valor percebido dos produtos chineses nos mercados externos têm conduzido a uma mudança substancial na atitude dos produtores chineses que já se encontram presentes nos mercados internacionais. O desenvolvimento de marcas fortes surge assim como a chave para a apropriação de todo o valor económico potencial.

Li Guangdou, director geral da Beijing Huasheng Shidai Advertisement Co., uma das mais antigas agências de publicidade chinesas, afirmou recentemente: "nos próximos 20 anos o desenvolvimento económico do país vai depender da nossa capacidade de construir marcas". Li destaca ainda a falta de marcas de grande dimensão. De facto, apesar de já terem sido registadas 2 milhões de marcas, apenas teve lugar o registo de uma marca por cada seis empresas cadastradas. O problema agrava-se quando um quarto destas marcas são detidas por empresas estrangeiras.

O Governo Chinês declarou já explicitamente que vê as “mercadorias de marca” como a forma da China progredir com sucesso a nível mundial. Numa conferência sobre o crescimento das marcas chinesas realizada em Pequim, Wu Banggo, líder do Congresso Nacional do Povo Chinês, apelou à nação chinesa para “fazer esforços no sentido de promover o desenvolvimento das marcas de produtos chineses para beneficiar o povo”. Afirma ainda que “o desenvolvimento de marcas diz respeito ao desenvolvimento económico da China e ao progresso social”.

Contudo, o relatório “China Marketing and Media Study”, publicado pela Sinomonitor International, uma “joint-venture” sino-Japonesa que opera na área de estudos de mercado desde 1997, salientou que as dez marcas chinesas mais valiosas registaram um crescimento médio de 30,9 por cento nas vendas anuais e que serão suficientemente fortes para desafiar as marcas mundiais no mercado global dentro de 3 a 5 anos.

Há alguns exemplos de marcas chinesas notáveis, como os computadores Lenovo, que tem como objectivo tornar-se o líder mundial de fabrico de PCs dentro de dez anos, a TCL, cuja marca se encontra avaliada em 2,67 mil milhões de euros e que hoje detém a posição de maior produtor mundial de televisores, a cerveja Tsingtao, que é a líder na exportação de produtos chineses com marca e aspira a uma posição no “top 10” das marcas mundiais de cerveja, e a Haier, avaliada em 4,63 mil milhões de euros, que já é a segunda maior marca mundial de frigoríficos. É igualmente de salientar a marca de desporto Li Ning que, num estudo promovido pela Hill & Knowlton (uma das maiores empresas de relações públicas, fundada em 1938, e que, actualmente, se encontra presente em 38 países) junto da população juvenil de Pequim e Shanghai, é destacada como a quarta marca chinesa mais “cool”.

É verdade que, além das referidas, há poucas marcas chinesas que se destaquem no mercado internacional, mas é apenas uma questão de tempo até que surjam mais, uma vez que existem muitas a operar ainda exclusivamente no mercado doméstico e que têm muito potencial para se tornarem globais. É o caso da Erdos que opera no mercado têxtil (avaliada em 440 milhões de euros), dos cigarros Hongtashan (avaliada em 4,6 mil milhões de euros), das bebidas espirituosas Wuliangye (avaliada em 1,57 mil milhões de euros), dos electrodomésticos Changhong (avaliada em 3,3 mil milhões de euros), dos automóveis Faw, dos sumos Huiyuan, dos géis de banho Liushen, entre outras.

Todavia, a questão central deste artigo assenta na incapacidade de a economia chinesa lançar no mercado global pelo menos uma marca digital de forte relevo. Este facto revela a falta de agilidade desta economia em lidar com modelos de negócio mais evoluídos, como é o caso dos serviços. O domínio da tecnologia já não é uma questão. Hoje a China detém empresas sólidas na área das tecnologias, como por exemplo a Lenovo e a Huawei.

Acredito que o momento de viragem para as marcas do “império do meio” chegará com os Jogos Olímpicos de 2008. A consequente oportunidade de elevada exposição mediática e publicitária a nível global será certamente aproveitada para dar a conhecer ao mundo as “novas” marcas com que teremos de nos habituar a conviver nos próximos anos. É de acreditar que a intenção de oferecer serviços no mercado internacional é o próximo passo a dar pela economia chinesa. Como sabemos, o investimento em capital de marca é um recurso incontornável na persecução desta estratégia e, como tal, será de esperar, a breve prazo, uma invasão de mais e mais sólidas marcas chinesas, quer industriais, quer digitais. Então já não será necessário contar com a ajuda dos heróis da BD Blake e Mortimer para encontrar o autor da “marca amarela” que, por enquanto, teima em aparecer.

 



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Junho de 2007

André Vilares Morgado

andre.morgado@gmail.com